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Eficácia, efetividade, segurança e estimativa simplificada de impacto orçamentário de idursulfase e beta-idursulfase para mucopolissacaridose II

PTC 02/2018

Autores: Paulo Henrique Ribeiro Fernandes Almeida, Lívia Lovato Píres de Lemos, Juliana Alvares-Teodoro e Augusto Afonso Guerra Júnior.

RESUMO EXECUTIVO

Tecnologia: idursulfase e beta-idursulfase

Demandante: Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Indicação: Mucopolissacaridose II (MPS II)

Contexto: A MPS II, também conhecida como síndrome de Hunter, é uma doença de armazenamento lisossômico com padrão de herança recessivo ligado ao cromossomo X, motivo pelo qual afeta majoritariamente homens. Pessoas afetadas não produzem, produzem em pouca quantidade ou produzem uma versão menos ativa da enzima iduronato-2-sulfatase (IDS). As principais manifestações clínicas são face grosseira, hepatoesplenomegalia, baixa estatura, rigidez/contratura articular, hérnia abdominal, otite média e aumento da língua (macroglossia). Em sua manifestação mais grave observa-se grave retardamento mental. Trata-se de doença rara, acometendo de 0,31/100.000 a 0,71/100.000 homens nascidos vivos, tendo sido identificadas taxas ainda mais baixas como 1/165.000, sendo a MPS mais prevalente no Brasil.

Caracterização da tecnologia: A idursulfase e a beta-idursulfase são formas de iduronato-2-sulfatase humana produzidas usando engenharia genética. A idursulfase é produzida em cultura de células humanas e possui registro sanitário sob o nome de Elaprase® (Shire). A beta-idursulfase (Hunterase®, Green Cross) é produzida em cultura de células de ovário de hamster chinês e não possui registro sanitário no país. Ambos os medicamentos são de administração intravenosa. A empresa Shire está desenvolvendo uma formulação de idursulfase para administração intratecal para o tratamento de pacientes com manifestação grave da doença.

Pergunta: A terapia de reposição enzimática (TRE) com idursulfase ou beta-idursulfase é eficaz, efetiva e segura no tratamento de pacientes portadores de MPS II?

Busca e análise de evidências científicas: Foram pesquisadas as bases eletrônicas Cochrane Library, Medline (Pubmed), LILACS e EMBASE. Para idursulfase foram incluídos dois ensaios clínicos controlados por placebo, dois ensaios clínicos sem grupo comparador e três estudos de coorte. Para beta-idursulfase foram incluídos um ensaio clínico controlado por idursulfase e um ensaio clínico sem braço de comparação. Foi incluído um estudo
observacional sobre TRE com idursulfase ou beta-idursulfase. Foi incluído um ensaio clinico randomizado sobre idursulfase intratecal. Foram utilizadas as ferramentas de risco de viés da Colaboração Cochrane e escala Newcastle-Ottawa para verificar a qualidade metodológica dos estudos incluídos. Adicionalmente, foram consultadas agências internacionais de Avaliação de Tecnologias da Saúde (ATS) para verificar suas recomendações sobre uso da TRE na MPS II.

Evidências científicas: Segundo a ferramenta de risco de viés da Colaboração Cochrane, os ensaios clínicos incluídos apresentaram, em geral, alto risco de viés, o que pode levar a superestimação do efeito da TRE. Os estudos de coorte incluídos apresentaram, de maneira geral, alta qualidade metodológica segundo a ferramenta Newcastle-Ottawa. A TRE com idursulfase mostrou-se superior a placebo nos desfechos: nível de glicosaminoglicanos (GAGs) urinários, hepatomeglia, esplenomegalia e teste de caminhada de 6 minutos (TC6M), considerados de menor relevância. Não foi observado benefício em relação às valvulopatias, um desfecho considerado de maior relevância. No estudo de registro Hunter Outcome Survey, a sobrevida mediana em pacientes tratados e não tratados foi de 33 (30,4-38,4) e 21,2 (18,2-31,5) anos, respectivamente. Na análise de regressão o tratamento com idursulfase foi relacionado à maior sobrevida (HR = 0,46; IC95%: 0,29-0,72). A beta-idursulfase foi superior a idursulfase nos desfechos de menor relevância: nível de GAGs urinários e TC6M. O único desfecho de maior relevância avaliado foi o desenvolvimento, não sendo observado efeito da beta-idursulfase em ensaio clínico sem braço de comparação. Quanto à segurança, os eventos mais importantes relatados tanto para idursulfase quanto para beta-idursulfase foram reações à infusão, tendo sido relatadas reações graves, como anafilaxia. A idursulfase intratecal mostrou-se superior a nenhum tratamento quanto à queda do nível de GAGs no líquido cefalorraquidiano, entretanto, resultados preliminares sobre desenvolvimento são inconsistentes.

Experiências internacionais: A agência Pharmaceutical Management Agency (PMA) da Nova Zelândia recomendou a idursulfase em nível ambulatorial e hospitalar em dezembro de 2016. O Pharmaceutical Benefits Scheme (PBS) da Austrália não recomendou a incorporação do medicamento ao sistema de saúde do país, pois a idursulfase obteve uma razão custo-efetividade incremental inaceitavelmente alta. No entanto, a tecnologia foi recomendada
para um programa de doenças raras do país. As agências de ATS: Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health (CADTH – Canadá), Scottish Medicals Consortium (SMC – Escócia) e All Wales Medicines Strategy Group (AWMSG – País de Gales) não recomendam o uso da idursulfase em seus respectivos países.

Análise de impacto orçamentário (AIO): Foram construídos dois cenários para a AIO com horizonte temporal de cinco anos (2018-2022): cenário 1, incorporação da idursulfase e, para o cenário 2, um possível pedido de incorporação da beta-idursulfase. Ambos os cenários foram comparados a não incorporação. Foi feita uma análise de sensibilidade, com variação de 50%, no peso de 36,7 Kg, peso médio dos pacientes no estudo de fase III de idursulfase. Para o cenário 1, com a idursulfase, o custo incremental em cinco anos variou entre 490 milhões e 1 bilhão e 220 milhões de reais e, para o cenário 2 com a beta-idursulfase, o custo incremental variou entre 450 milhões e 1 bilhão e 126 milhões de reais.

Discussão: A revisão da literatura mostrou resultados favoráveis ao uso de idursulfase em comparação ao placebo e ao uso de beta-idursulfase quando comparada a idursulfase para desfechos de menor relevância. Foi observado que o uso de idursulfase foi associado à maior sobrevida. Os eventos adversos mais observados foram os relacionados à infusão, devido a isso, o medicamento deve ser administrado por profissional habilitado e em ambiente preparado para lidar com tais eventos, especialmente nas primeiras semanas de tratamento. Ensaios clínicos sem comparação e estudos observacionais revelaram que pacientes com menos de seis anos de idade no início da TRE apresentam os mesmos benefícios observados para pacientes com seis anos de idade ou mais no início do tratamento. Entretanto, não foi observado benefício quanto ao desenvolvimento dos pacientes, um desfecho considerado de maior relevância, especialmente para essa faixa etária. O perfil de segurança foi semelhante ao de pacientes mais velhos. A idursulfase intratecal foi avaliada em pacientes com fenótipo grave, tendo sido observada queda nos níveis de GAGs no líquido cefalorraquidiano, sem reflexo em ganhos no desenvolvimento. Os benefícios da TRE intravenosa e a inexistência de alternativas terapêuticas levou à incorporação da idursulfase no SUS. Apesar de tratar-se de doença de baixa prevalência, o impacto orçamentário dessa incorporação é elevado devido ao alto custo individual do tratamento, chegando a mais de um milhão de reais por ano. O impacto com o fornecimento da beta-idursulfase seria menor e, no cenário hipotético de concessão do registro deste medicamento, a negociação de preços poderá diminuir o impacto ao tesouro federal. Ressalta-se que, independentemente da enzima utilizada, é imperativo obedecer aos critérios para indicação de TRE e de interrupção do tratamento definidos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, CONITEC, a fim de oferecer o tratamento aos pacientes que, segundo as evidências científicas existentes, poderão apresentar benefício, e racionalizar os custos envolvidos.

 

 

 

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